Quando estava na faculdade de Comunicação, descobri um termo que parecia me definir: apocalíptica. Um breve contexto: vem de um livro do Umberto Eco, “Apocalípticos e Integrados”, cuja versão TL;DR é que apocalípticos têm uma visão crítica da cultura de massa e tecnologia; e os integrados são aqueles que veem com bons olhos as novas ferramentas e possibilidades. Trocando em miúdos, porque nada é tão simples como parece.
Fato é que eu só gostava do termo “apocalípticos” porque me considerava uma pessimista de carteirinha. Sempre me preparava para o pior, com a justificativa de que se acontecesse, eu não me decepcionaria tanto. (Spoiler: não é assim que as coisas funcionam) (dá um desconto, eu tinha 21 anos e achava que aprendia sobre a vida com filmes do Woody Allen) (todos sabemos na grande furada que isso deu).
Continuando: eu jurava que era a tradução viva daquela música da Alanis, “Ironic” — até hoje a minha favorita dela, uma crônica em forma de canção e dona de um dos clipes mais icônicos dos anos 90. Dia 13 de junho, esse disco completa 30 anos, e se você lembra de quando ele foi lançado e a cantora veio ao Brasil no Programa Livre, isso significa que você sente a lombar e já tá caminhando pro segundo ou terceiro burnout. Bem vindo, colega millennial. Puxa um banquinho pra não cansar.
Alanis lista incontáveis histórias que deram errado, da pessoa que tira um cigarro e dá de cara com um aviso de “proibido fumar” até o sujeito que esperou a vida inteira pra fazer uma viagem aérea e logo na vez dele, o avião cai. Veja bem: dona Morissette não canta “e é por isso que a vida é um cocô e vamos todos morrer mesmo, então de que adianta?”. Ela simplesmente dá de ombros, dizendo: “irônico, né?”. É.
O tempo foi passando e pode-se dizer que muito do que poderia ter dado errado, deu. Desde que “Jagged Little Pill” chegou às prateleiras das Lojas Americanas de todo o Brasil, o mundo vivenciou algumas guerras, está mais superpopuloso e quente que nunca, ataque terrorista virou trend, nazistas colocaram a cabeça pra fora do esgoto, algumas doenças assustadoras surgiram e uma delas até manteve a gente preso dentro de casa lavando pacote de feijão. Mano, até as Americanas respiram por aparelhos. Não dá pra dizer que estamos fazendo um bom trabalho nessa coisa de humanidade.
Mas veja você que o Thirty Seconds to Mars teve a ousadia de lançar um disco chamado “It’s The End of The Wold But It’s a Beautiful Day”. Entenda: o ano era 2023. O Relógio do Juízo Final já marcava 23:58, que fique claro. Aí o Jared Leto tem a pachorra de falar “ah que belo dia pra fazer um skincare, comer vegano e pentear meu cabelo por horas”. Então tá.
Me convidaram a entrevistar o próprio quando saiu esse disco, então a pergunta óbvia era: de onde saiu tanto otimismo? Além de ter fama, beleza, dinheiro e juventude infinita, claro. Jared até que falou uma coisa que tem sentido: mesmo que demos passos atrás, continuamos dando passos à frente. Tá uma merda, mas pelo menos as crianças morrem menos e mais gente tem acesso à educação, por exemplo. Isso não é algo a ser celebrado? Tá aí.
Me peguei dia desses sendo otimista e vendo o lado bom das coisas. Conversava com um amigo que acabou de ser pai sobre a loucura que é a reprodução humana. Pensa bem: um amontoado de células se torna um “parasita do bem” dentro de uma barriga já cheia de tranqueira (apêndice, estou falando com você), vai crescendo, formando órgãos extremamente complexos e depois ainda aprende a achar o caminho em direção à luz. É uma enorme maluquice, vai dizer que não?
O tanto de complicações que podem surgir nesse processo é gigantesca, e muitas vezes surgem mesmo. Ainda assim, seguimos aqui, nos reproduzindo, alguns inclusive sonhando com isso e outros tantos tristes por não conseguirem fazer o mesmo. Embora ser pai e mãe esteja cada vez mais difícil, caro e até fora de moda, insistimos nisso — parte por instinto de sobrevivência, parte porque romantizamos (até demais) essa ideia.
Há quem veja o divino aí, há quem aponte o dedo para a ciência. Difícil dizer ao certo, talvez haja uma combinação de ambos que torna isso possível. Só assim pra explicar como não nos autodestruímos ainda, tantos eventos apocalípticos depois.
Talvez o truque não seja escolher entre ser apocalíptica ou integrada. Talvez seja aceitar que é possível e necessário ser as duas coisas ao mesmo tempo: ver com clareza tudo que ainda está errado, e ainda assim se permitir ver beleza no que deu certo. Não por alienação, mas por resistência. Um pouco como ter filhos em 2025 ou cantar “You Oughta Know” no karaokê: não faz muito sentido, mas seguimos fazendo.
Ser otimista não é esquecer o que já deu errado. É reconhecer que, apesar de tudo, alguma coisa segue funcionando. Mesmo que mal, mesmo que aos trancos e barrancos. Não é sobre achar que vai dar tudo certo, mas talvez sobre aceitar que alguma coisa ainda vale o esforço. Tipo um planeta inteiro tentando não desabar. Ou um bebê aprendendo a respirar sozinho.
Talvez seja isso que reste pra gente: continuar, mesmo sabendo de tudo. Continuar fazendo planos, amando, cuidando, parindo, criando, tentando. A vida não é exatamente uma comédia romântica dos anos 90, mas ainda tem seus bons momentos de trilha sonora e pôr do sol. Se não for para celebrar, que seja ao menos para constatar: ainda estamos aqui. E isso, por si só, talvez seja suficiente — por enquanto.
A dose de otimismo, quando vem de alguém catastrófico como você mesmo, é sempre uma dose potencializada. Seguimos vivendo! <3
Ai, olha ela aqui e as tantas conexões aparecendo. Eu não tive a minha fase "apocalíptica" no auge dos meus 21, mas eu fui a pessoa que pregava, com intensidade, o "anormal é ser normal" como filosofia de vida. Semelhante ao sempre se preparar para o pior, porque, caso acontecesse, eu não me decepcionaria, essa filosofia também me dava a desculpa perfeita para justificar porque certa coisa não deu certo: "daria certo se eu fosse normal". E é claro que a Alanis estava lá, comigo, no Mp3 no trem lotado ou no recorte de revista colado no caderno!