Imagina Só #19: Urge o filme de Natal brasileiro
Festas de fim de ano sob o sol de verão
Minha mãe diz que me chamou de Nathália pois fui seu presente de Natal, tendo nascido em pleno 19 de dezembro. Cá pra nós, acho um baita presente de grego a pessoa chegar filando a sua comida, exigindo cuidados especiais e ainda te dando despesa por anos a fio – mas se alguém quer exaltar a minha existência, não sou eu que vou reclamar.
O fato é que, mesmo que eu não fosse Nathália, seria natalina. Chega o fim do ano e eu sou tomada pelo espírito da ragatanga dos jingle bells. Coloco playlists temáticas, enfeito a casa, fico semanas pensando no cardápio da ceia. Assisto a todos os filmes que consigo cujos títulos envolvem as palavras-chave Natal, Papai Noel, Polo Norte. Quanto mais brega, melhor. Quanto pior, melhor. Depois do filme dos golden retrievers que ajudam o bom velhinho a salvar os presentes, todas as barreiras de bom senso e bom gosto foram ultrapassadas. Veja bem, eu assisti ao filme novo da Lindsay Lohan até o fim. Por livre e espontânea vontade.
Não me escapa a falta de similaridade do Natal dos filmes com as festas tropicais que rolam aqui no Brasil. Difícil não notar a neve falsa das decorações, os Papais Noéis de shopping chegando suados com suas fantasias quentes, os perus recheados que pesam até a alma no calor de 35 graus, o vinho que só faz aumentar a temperatura.
Aqui onde eu moro, em Petrópolis, o fim de novembro e começo de dezembro sempre dão a entender que, a depender do clima, até dia 25 teremos neve para Nick chegar deslizando com suas renas. Ledo engano. Faltando uns dias pro Natal, alguém desliga o ar condicionado da cidade e dá o choque de realidade: tá chegando o verão.
Eu culpo Kevin McCallister. Não fui uma criança que cresceu com Esqueceram de Mim, pois eu nunca tive paciência para intervalos comerciais. Acabava o primeiro bloco, eu trocava de canal. Fui ver um monte de clássicos da Sessão da Tarde depois de velha, inclusive este, ET, Feitiço do Tempo, Curtindo a Vida Adoidado, De Volta para o Futuro, etc.
Acho que o que me fez simpatizar com o menino deixado para trás pela família em pleno Natal foi justamente a ausência da parentaia, a liberdade alcançada. Tal como Macaulay, eu tinha casa cheia o ano todo, mas diferentemente dele, jamais tive a chance de me achar a “dona do pedaço”. A sensação de quentinho no coração que um filme natalino dá permaneceu e desde então, eu nunca passo um ano sem me render a pelo menos um.
Sempre pensei que o Brasil precisava da sua própria versão do canal Hallmark, que financia boa parte das drogas pesadas que chegam até nós todos os natais. Ou então que a Netflix podia bancar uma comédia brasileiríssima que se passa em Natal (a do Rio Grande do Norte) ou em Belém (a do Pará) cheia de piadocas de duplo sentido e ceia com água de coco, churrasco e piscina. Mas pelo visto, o mais próximo que teremos são os especiais do Porta dos Fundos, e olhe lá. Talvez exista algo dos Trapalhões que não chegou em mim, alguma comédia do Mazzaroppi que eu estou deixando passar batido.
A ideia de Natal do hemisfério sul é tão pouco difundida que as matérias do tipo “aprenda a fazer uma festa natalina tropical” envolvem apenas uma grande quantidade de frutas pra decorar a mesa – o que me parece um grande esquema com os caminhões de “olha o abacaxi da massa amarela passando na sua rua”.
Isso não impediu que o brasileiro reinventasse o Natal, claro. Aqui, John Lennon vira Simone, Target é Americanas e quem precisa de Rockefeller Center quando se tem a árvore de Natal da Lagoa Rodrigo de Freitas, literalmente de parar o trânsito? A ceia tem aquele pernil que você vai ficar dias digerindo, lado a lado da salada de frutas. O panetone trufado da Lindt com a cobertura já craquelando sob o calor fica bem pertinho da lata de pêssegos em calda com aquele creme de leite geladinho. As nozes decoradas com um soldadinho de chumbo do lado e o cooler de gelo e cerveja juntinhos. No Brasil, boneco de neve só aqueles bem feios, feitos no auge das geadas de julho no sul do país, com a escultura infantil de quem não tá acostumado a ter neve.
Eu adoro essa combinação, porque é totalmente nossa, impossível de reproduzir em qualquer outro lugar do mundo. Junta a nossa admiração de povos com menos temperatura e mais IDH, aliado ao orgulho das culturas locais e a valorização do que é ser brasileiro.
Já me imaginei passando o tão sonhado Natal em Nova York, aí lembro que não ia ter farofa na janta e me bate uma bad. A gente até adota os comes e bebes alheios e canta White Christmas, só pra não se sentir tão deslocado na festa. Agora imagina só ficar sem farofa? Pediu demais.
Boas festas pra você e família! Ano que vem tem mais.
Muito bom! Amei
que edição divertida!
Adorei!