Imagina só... pra onde vão as ideias perdidas?
Um cemitério só de pensamentos esquecidos, tampas de caneta e guarda-chuvas.
Na última semana, tive trezentas e setenta e oito ideias de temas para esta newsletter. Nenhuma delas vai virar um texto aqui. Não é questão de assinatura premium, nem de guardar escritos só para mim. São linhas que jamais verão a luz do dia pelo simples fato de que nunca se materializaram. As ideias vieram e se foram, sem deixar rastro, vestígio.
Às vezes, elas vêm no banho. Em outros momentos, lendo meus crushes no mundo Substack (sério, assinem todas as newsletters recomendadas!). Tantas vezes, acontecem num milissegundo enquanto corro atrás de uma criança de dois anos pela casa. Aquelas perninhas diminutas carregam, também, a calmaria que eu um dia tive de sentar, anotar no caderninho, no bloco do celular.
Pra onde vão as ideias que não se concretizam? Será que elas voltam algum dia? Do nada, você tá lá lavando a terceira louça do dia quando pá, rola aquele déjà vu. Ouve alguma coisa no noticiário e pimba, volta todo aquele conceito pra um conto que você não começou, o negócio genial que vai te deixar rica, o ingrediente que pode fazer toda a diferença naquele bolo.
Tal qual o sujeito que saiu pra comprar cigarros e nunca mais voltou, as ideias passam a habitar esse limbo, esse purgatório da não-existência. Do podia ter sido, mas acabou não fondo. Do será que tá vivo, morto ou na Record? Nunca saberemos.
Se existe um além habitado por tampas de canetas Bic e guarda-chuvas esquecidos em táxis, arrisco dizer que é pra lá que vão as ideias perdidas. Consigo imaginar as danadas curtindo a aposentadoria na beira da praia com drink de sombrinha e tudo, enquanto eu fico do lado de cá, coçando a cabeça depois de jurar pra mim mesma que essa ideia eu não ia esquecer. Porque essa era boa de verdade. Estruturo parágrafos, imagino as fotos que vão ilustrar.
Mas não é preciso muito pra fazer tudo evaporar, como se nunca tivesse existido - e, de fato, não existiu mesmo. Tocou o interfone, já era. Chegou a notificação de mais um e-mail de trabalho, a vida real chama e a gente obedece. Vou só responder fulano e… zé fini. Acabou-se o que era doce.
Dia desses, troquei uma ideia com meu amigo André sobre o que poderia ter sido, mas não foi. Ele faz o brilhante podcast Pós Jovem, onde conversa com pessoas sobre aprendizados da vida que já não é tão novinha, mas também não é lá tão madura. Mandei essa provocação gravando meu próprio podcast por áudio de WhatsApp e André prontamente me atendeu: fez um episódio inteiro sobre o tema.
Fiquei pensando em tudo que a gente projetou ser quando crescesse. Não tô falando de “todo dia vou comer sorvete no almoço”, porque essa fantasia eu já saquei há tempos que não vai rolar. Estava pensando mais nos sonhos que sonhamos naquela fase da vida em que tudo parece possível. Vou ser jogador de futebol, cantora, arquiteta, detetive. Porque disseram que a gente podia ser o que quisesse e, bem, acreditamos.
Mas aí a vida acontece. Famílias unidas que viram duas, mudanças de cidade, falecimentos, perdas de emprego. Ou então você descobre um canal de YouTube que te faz mergulhar num assunto totalmente novo. Surgem hobbies, interesses. Entram tantos fatores na equação que, quando você vê, tá com outro diploma na parede - ou totalmente sem diploma, mas fazendo o seu próprio corre, do seu jeito. De um jeito que você nunca imaginou, sendo uma pessoa totalmente diferente da que achou que seria.
Não deixa de ser uma espécie de luto de si mesmo. De despedida daquele eu imaginado, idealizado. Mas também é uma celebração do sujeito que nasceu depois disso. Das vitórias e conquistas, dos aprendizados às custas de muito choro e cicatriz. Das rotas que parecem secundárias, dos caminhos que parecem desvios - apenas pra gente descobrir que eram o caminho real/oficial no fim das contas.
Vai ver a gente tem ideias que nunca nascem apenas pra valorizar as que vingam. Vai ver, se permitir sonhar lá no começo da vida foi o que te permitiu ir além de quem você achou que era. Nada é sem propósito, cada vírgula no trajeto tem sua razão de ser. Tanto que cá estou eu, transformando em texto os tantos textos que não escrevi.
Que descansem em paz. Muitos outros virão - ainda bem.