Imagina só... se a gente coloca os pensamentos no papel?
Dumbledore, princesa Froze e tudo mais.
Existe um prazer que só anotar algo no papel pode te dar. Saber que você pode descarregar aquilo ali, sem ocupar o mesmo espaço de antes na sua cabeça, é libertador. Na era do excesso de tudo, a sensação de que não há mais bytes na caixola para tanta demanda, boleto, diploma, podcast, notícia é constante. Sei que tem gente literalmente passando fome neste momento (#ForaBolsonaro) e que ter qualquer coisa em excesso dificilmente conta como problema, mas se tem algo que essa newsletter faz bem é dramatizar as coisas. A carga mental é, sim, aterradora.
Nessas horas, só nos resta aliviar a mente. Tem gente que medita e eu tenho muito respeito por elas, considerando que eu estou até hoje nas mini sessões de 3 minutos, dos quais eu passo aproximadamente 2 minutos e meio pensando sobre aleatoriedades e outros 30 segundos tentando focar em inalar e exalar. Eu preciso escrever. Sempre fui a louca da papelaria, que gastava horrores em bloquinhos e canetas gel coloridas com cheirinho de banana (desculpa, mãe), mas estou há anos buscando a melhor forma de me conectar comigo mesma no papel.
De uns 5 anos pra cá, venho usando o bullet journal, fazendo diário, anotando pontos altos dos dias, motivos para gratidão, rastreador de humor, etc. Leio um livro, faço um resumo num caderno lindo que a minha amiga pessoal Ana Telma me trouxe direto da Shakespeare & Company em Paris, pois ela é chique. Anoto listas de compras, de presentes de Natal, de lugares pra conhecer.
Hoje eu decoro tudo com washi tape e faços uns letterings, mas antigamente, na era do Blogger, eu já fazia a mesma coisa - só que infelizmente o bujo não tem gifs piscando e midis que tocam, sem você pedir, uma versão lo-fi em saxofone pra Shania Twain - You’re still the one.mp3. Bons tempos. Fica aí a dica para a próxima versão do bullet journal, Ryder Carrol.
O processo é o mesmo. Sim, porque não é tão poético, mas existe um processo, como bem lembrou a Luciana Andrade na maravilhosa .flows magazine:
não preciso de nenhum arco-íris inspirador pra escrever, apenas de boletos. quem ganha a vida com isso não pode depender de um dia ensolarado ou da possibilidade de um sonho maravilhoso na noite anterior. o mundo furioso lá fora e é preciso se concentrar pra produzir (isso a faculdade não ensinou). enfrentar a página em branco é básico, não uma superação. é técnica e necessidade (financeira, espiritual, psicológica etc).
Às vezes eu preciso de ajuda pra lembrar que vivo de escrever. Todo dia, tô aqui dando tudo que tenho nos press releases dos clientes da BUM. Essa técnica eu domino, modéstia à parte. Fui treinada pra isso, tanto na faculdade de Jornalismo, quanto no exercício diário que é cortar palavras, escolher sinônimos, polir vírgula a vírgula.
O que dá medo é pisar fora da linha, se aventurar no desconhecido, já diria a princesa Elsa (ou será a Anna?). Vir aqui, escrever livremente, sem lide, sem pirâmide invertida. E pior: apertar “publish” como quem não quer nada. Mas eu, quero, claro. Escrever é mais que um exercício, é uma forma de expressão. E eu tô aqui, batendo cartão (quase) toda semana, pra trabalhar nessa voz que é só minha, que carrega a minha bagagem, a minha experiência.
Não por acaso, essa newsletter parece uma grande penseira. Sabe aquela bacia de memórias do Dumbledore, onde ele joga um fio de pensamento com a varinha, e onde pode voltar depois para pescar acontecimentos e pessoas? Eu, que sempre sonhei com uma pena da Rita Skeeter pra nunca mais precisar transcrever uma entrevista na vida, me vejo a cada dia mais mirando nessa poça misteriosa de lembranças, vultos, histórias.
A gente tende a achar que escrever é uma espécie de chamado especial, tipo uma vocação pra padre, em que apenas uns poucos escolhidos recebem a dádiva e a maldição de falar pela humanidade. Ter a literatura em tão alta conta é muito bonito, mas ninguém precisa ser o Ferreira Gullar pra pegar papel e caneta. Não é necessário inventar uma história, escrever um livro, sequer um haikaizinho. Talvez seja culpa das nossas escolas, tão voltadas para performance (quando muito) que transformam qualquer proximidade das palavras em testes, formatos pré-estabelecidos, obrigações, notas.
Talvez a gente precise se reencontrar com as próprias palavras. Existe um caminho do meio que não é o silêncio, mas também não são as morning pages que viraram moda na internet. O fato é que, quanto mais a gente transforma as vozes na nossa cabeça em formas no papel ou na tela, menos o caos impera. Escrever é descobrir como a gente soa, o que pensa, o que sente, mas também é fato que nem sempre estamos prontos para ficar cara a cara com nós mesmos.
Por mais assustador que seja, seguimos. Porque imagina só conseguir se ouvir, no meio do turbilhão? Deve ser lindo.
"Talvez a gente precise se reencontrar com as próprias palavras" -- essa é minha fé diária, hahah. Fazer pequenas pausas no meio do caos para me ouvir tem sido um exercício, e esse texto me ajudou a refletir mais ainda sobre esse caminho do meio. Obrigada! <3