No começo do ano, cientistas disseram que a gente vive em uma bolha. Não aquela do seu Instagram, mas uma bolha cósmica, gigante e intergaláctica. Pelo que entendi do estudo (é tudo bem complicado, ainda bem que a ciência não depende de mim), esse campo que engloba a nossa galáxia impede que a gente compreenda coisas bem importantes, como a velocidade de expansão do universo.
Parabéns então pra ciência por constatar o que todo mundo já cansou de ouvir: estamos todos dentro de bolhas. Isso ganhou mais força com as redes sociais pautando a esfera pública de debate, quando termos como “algoritmo” passaram a entrar com mais facilidade em conversas. Lembra quando o voto útil no Ciro parecia que realmente ia dar certo em 2018? Pois é, culpa da sua panelinha.
A bolha, a meu ver, é uma grande injustiçada nessas horas. Todo mundo cita a coitada como responsável por desinformação, falta de empatia e diversidade, o que certamente é verdade; porém, tem horas que só ela nos salva do caos total, especialmente em tempos de eleição.
Vou bancar a Rory Gilmore aqui e fazer uma lista de prós e contras das bolhas.
Contras:
Você não interage com pessoas que não se parecem com você;
Você não viaja para outros lugares, conhece outras culturas ou aprende outras línguas;
Você não consome produtos que não sejam produzidos no seu entorno, limitando sua experiência de vida;
Você vive a ilusão de que está tudo muito bem ou tudo muito ruim, sem olhar ao redor;
Você desenvolve visões preconceituosas sobre pessoas, regiões, ideias, culturas ou identidades que diferem da sua.
Prós:
São quentinhas;
São confortáveis;
Te protegem do mundo ruim lá fora;
Está bem claro que sim, bolhas são danosas à sociedade. Mas também dá pra ver que não são de todo ruins. Tenho recorrido à minha com frequência. Sou grata por todas as receitas, todos os lances de basquete, todos os cachorrinhos, todos os vídeos sem um pingo de discurso de ódio que enchem minha timeline todos os dias. A gente passa tempos treinando o algoritmo é pra isso, minha gente! Paz de espírito.
Não sei pra vocês, mas pra mim essa parece a eleição mais longa já realizada pela humanidade. Chega 2023 e não chega o fim de outubro. A incerteza diante da escalada de absurdos que esse país vive todo santo dia não é pouca coisa. Mesmo que o resultado seja favorável a quem quer mudança - eu quero, eu preciso -, o futuro segue uma lacuna, um buraco que parece não ter fim. Já estamos no porão do buraco no fundo do poço e todo dia a gente acha um alçapão, porque o brasileiro não tem um minuto de paz mesmo.
Então me recolho à minha bolha quentinha. Pisei fora dela duas vezes dia desses, me aventurando do outro lado da fronteira para pedir, por gentileza, que não me enviassem vídeos de teorias da conspiração, fake news, conteúdo antidemocrático. Foi péssimo, não recomendo. Mas foi ótimo também. Dizer “ei, aqui começa a minha bolha. Cai fora com essa sua bandeirinha verde e amarela”.
“Mas você não quer virar votos?” Não é minha função.
“A gente precisa dialogar pra entender as pessoas” Com neofascistinha? Preciso não, obrigada.
“Só porque o outro pensa diferente, não significa que vocês não possam trocar ideias” Claro, trocamos ideias sobre o clima, sobre o Galo estar indo mal no Campeonato Brasileiro, sobre preferir praia ou montanha. Não discutimos se gays merecem viver ou morrer, se mulheres devem ganhar menos, se terras indígenas devem ser ou não demarcadas. Isso não está aberto para debate dentro da minha bolha.
Silenciar, bloquear, parar de seguir são ferramentas lindas que o deus da tecnologia nos deu. Dar esses comandos é escolher o que nos faz bem em detrimento do que machuca e faz mal.
Ainda bem que a gente tem a arte pra ensinar sobre questões filosóficas profundas. Peguemos o exemplo de um clássico do cinema, Jimmy Bolha (Blair Hayes, 2001). Ele vivia literalmente em uma esfera plástica, impermeável e livre de germes, devido a ter nascido sem um sistema imunológico. Dramático, eu sei. Mas Jimmy não era imune ao amor e se apaixona por uma menina que vai se casar com outro cara nas Cataratas do Niágara. Ele embarca então em uma viagem cruzando os EUA para chegar a tempo de impedir a cerimônia. Um verdadeiro A Primeira Noite de Um Homem para millenials.
Não vou entregar o final, embora você já possa imaginar e o filme tenha mais de 20 anos. Mas dá pra dizer que Jimmy se mete em altas confusões (sim, já passou algumas vezes na Sessão da Tarde) até o fim. É possível que ele ganhe o amor? Sim, é. Mas o cara tá arriscando pegar doença, morrer e ser zoado por um país inteiro até conseguir o tal “felizes pra sempre”. Não deveria ser tão difícil assim, né?
Sou super a favor de se aventurar para além da zona de conforto. Todas as mudanças positivas na minha vida surgiram assim, dando um passo além do que eu estava disposta a dar. Minha profissão me leva a esse lugar de desconforto (bom) todos os dias, dialogando com estranhos que tem algo a me ensinar. Mas existe uma grande diferença entre não se fechar em uma concha e escolher ficar imersa em esgoto. Seja na internet ou na vida real. Em tempos de grandes incertezas, estar cercados de gente que defende as mesmas coisas que nós é necessário para mantermos a sanidade. Porque imagina só não ser obrigado a ter por perto quem nos fere? Libertador.
Um bônus para fãs de Jimmy Bolha:
Danny Trejo disse ter amado fazer esse filme, porque ele não morre e não mata ninguém. Justo.
Se a gente conseguir chegar ao final desse ano assim, estamos no lucro.