Olá!
Esta edição tem um quê de diferente - ela faz parte do amigo secreto de newsletters, uma iniciativa do grupo mais legal do Telegram que reúne a turminha do Substack BR e além. O objetivo é escrever uma carta para outro autor de newsletter, um diálogo entre duas publicações, sem perder a essência dessa que você está lendo agora. Como já admiti publicamente, adoro ler as cartas dos outros, e agora você recebe em primeira mão esta - que na verdade é para a , que escreve a ótima , mas que é também para todos nós, viajantes das páginas.
Se você optar parar por aqui, entendo também. Só não saia sem levar meu muito obrigada por esse 2023 de muitas leituras, comentários e trocas. Se aqui escrevo, é porque daí vocês leem.
Até mais. Que 2024 seja leve1
Gabriele,
Dizem que quem viaja expande os horizontes. Não tenho a menor dúvida. Você, como companheira viajante, sabe bem que uma vida sem movimento é, também, uma vida sem acaso - e isso é apenas triste. Há uma sede que brota lá de dentro e nos faz querer sair por aí, formiguinhas nos pés, convidando a se perder mundo afora.
Por muito tempo, minhas viagens foram imaginárias. Parece que todo viajante nasce de malas prontas. Você também já veio ao mundo pronta pra zarpar? Pra mim, era uma necessidade intrínseca de fugir de uma realidade que não me realizava.
Depois, consegui dar um pulo aqui e ali. Aqueles destinos mais comuns, outros nem tanto, sempre uma aventura para a menina que veio lá do interior. Imagina flanar por Paris? Qualquer esquina é chique, uai - ou será oui? Já nem sei, me confundo.
Gosto de me misturar aos nativos, fingir que faço parte daquela turma que pega o metrô e anda pelas ruas sem consultar mapas. Não é confiança, é desapego: nunca fui boa com eles, os mapas. Viro de cabeça pra baixo, me torno o Joey naquela cena de Friends, sabe? Tenho que entrar no mapa, ser o mapa.
Então continuo a andar. Às vezes saio em ruelas que me levam mais longe do meu destino. Às vezes, encontro algo ainda melhor dobrando a esquina.
O maior buraco negro de todos, porém, é a casa dos livros. Toda cidade turística que se preze tem pelo menos um templo para eles. Podem ser suntuosos, como El Ateneo; ou então meio escondidinhos, como o subsolo onde ficam os usados em uma Waterstones. Por vezes, botam medo - o leão na entrada da biblioteca municipal de Nova Iorque não me deixa mentir. Mas pode entrar aqui?
Pode.
Deve.
Lá dentro, o mundo desacelera. É bem verdade que já usei as bibliotecas como se usa uma Starbucks - a pausa do xixi e do wi-fi. Mas ali dentro, não há fila para torres gigantescas ou museus onde todo mundo faz pose em frente à mesma escultura. São prédios, também, impressionantes. Seja pelos domos cuidadosamente pintados, seja pelas paredes abarrotadas de lombadas. Elas viram as próprias colunas de sustentação daqueles espaços onde - não dá pra resistir - se imagina um Hemingway sentadinho vendo o movimento.
Se parar pra pensar, é meio doido isso de uma loja de livros virar ponto turístico. De uma biblioteca, onde residentes temporários não têm direito a carteirinha, ser o oásis de gente do mundo todo. A gente já embarca com a leitura de bordo, mas quer o carimbo do bardo, aquele que só tem na Shakespeare & Company, a versão chique do “fui a Paris e lembrei de você”. Tem que ir na Strand e sair com a canequinha, pra eternizar daquele dia em que você ficou caçando alguma obra autografada por Patti Smith ali no meio daquelas estantes.
Não há. Tesouros raramente ficam esquecidos.
Talvez por isso, a casa dos livros seja a viagem dentro da viagem. Só lugares muito especiais têm esses templos da leitura, aquela visita que tem ao mesmo tempo um quê de familiaridade, mas também de mergulho no desconhecido. Daí que a gente volta pra casa com a ecobag, o lápis, o caderninho e uma compra ou outra numa língua que nem mesmo é a sua.
Mas comprar livros em viagem é trazer a estrada pra casa. É hackear o fim do passeio, se negar a dizer tchau para as aventuras vividas lá fora, no mundo onde as coisas fogem à rotina maçante. Ali, naquelas páginas, qualquer viagem continua e todo destino é possível.
Ainda bem.
Boas viagens para você, do lado de cá do Atlântico.
Nathália
💭 Imagina mais:
📘Nas últimas semanas, li A Vida Pela Frente, de Emile Ajar (pseudônimo de Romain Gary). Me deu uma vontade danada de voltar ao meu narrador infantil favorito: o Zezé, de O Meu Pé de Laranja Lima. Eis que descobri o audiolivro completo no Spotify - e eu sou muito fã de audiolivros! “Li” em dois dias, quatro horinhas muito bem empregadas pra matar a saudade de um personagem tão importante pra mim.
Obrigada por ler até aqui ✨
não será. mas a gente joga pro universo e finge que acredita.
Que privilégio da Gabriele receber uma carta dessas. E sorte a nossa poder ler tb <3
Querida Nathália, que presente bem embalado foi começar o meu dia lendo as tuas palavras! Eu também fugi de realidades que não me contemplavam para encontrar refúgio no movimento (e no acaso). Que bonito isso de ser o mapa, o corpo enquanto território. Desejo que, flanando nessa cartografia, sempre encontremos livrarias & bibliotecas para ampliar a viagem que por si só é existir. Bons ventos pra ti em 2024. Um beijo e um abraço com carinho!